O dia amanheceu e Rachel ainda não havia acordado. Os
resquícios da noite passada ainda estavam turbulentos dentro de si. O cheiro de
álcool havia diminuído devido a evaporação, porém, o cheiro de cigarro exalava
por todo o apartamento. Mischa logo acordou e percebeu que a menina estava em
um sono profundo. Mischa sorriu, deu um beijo na bochecha da menina e em
seguida, lhe cobriu com o lençol que estava no chão. A menina também abriu as
janelas para que o cheiro de cigarro desaparecesse. Misch foi em direção a
cozinha e colocou a água do café para ferver enquanto tomava banho.Ao fim
desse, a menina foi para cozinha e preparou o café, deixando o bule e uma
xícara sob o balcão, pois sabia que Rachel iria precisar disto quando
acordasse. Em seguida, a menina vestiu seu cardigan verde-oliva sobre seu
vestido grafite. Ao abrir a porta se deparou com a correspondência matinal.
Pego-as e supôs que todas eram para Rachel, já que o apartamento a pertencia.
Porém, por alguma razão resolveu conferir todos os destinatários. A maioria era
cartas de propaganda e assinaturas de revistas. Porém, havia uma endereçada
para Misch. No remetente estava escrito
um nome bem conhecido pela garota: Gasparina
Papparatti, era a sua avó. Mischa ficou muito feliz ao perceber que se
tratava de alguém da sua família, a menina ficou eufórica. Logo, deixou as
outras correspondências no balcão e saiu com a sua carta na mão. Quando chegou
ao saguão, se sentou em uma das poltronas e pôs-se a ler.
Querida Mischa,
Como tem passado nos últimos tempos? Espero que bem. Falei com seu pai
a algum tempo e ele me comunicou que você estava estudando em um colégio
interno na Dinamarca. Não aprovei tal atitude. Portanto, lhe escrevo brevemente
para lhe comunicar que logo você será trazida para a Itália e irá morar comigo.
Visto que os papeis do divorcio já começaram a correr. Você deverá receber essa
carta dois dias antes da sua viagem, tempo suficiente para você arrumar as suas
coisas. Não faça objeções, eu sei o que é melhor para você. Sua passagem e
passaporte se encontram na secretária do colégio, trate de pega-los logo. Estou
te esperando.
Com amor, vovó.
Os olhos de Mischa estavam vidrados, a menina lia a carta
pela terceira vez. Não conseguia acreditar no que os seus olhos estavam vendo.
Como ela poderia viajar para a Itália em dois dias? Porque isso estava
acontecendo? Como ela iria deixar Rachel para trás? Ao pensar nisso, o coração
da menina ficou gelado. A menina mordeu os lábios e fechou os olhos, não sabia
como iria lidar com isso. E ela também conhecia sua avó, sabia que se não
seguisse as regras ela iria parar na Suíça por mau comportamento. A raiva
começou a correr por suas veias o que fez com que a garotava amassasse a carta.
Suas mãos tremiam e sua cabeça começava a latejar. Não demorou muito para que as lágrimas
brotassem em seus olhos. A menina então desolada foi em direção ao lado e
quando chegou se sentou a beira desse e pôs-se a chorar.
Ela não tinha nada, além de Rachel. E agora o destino estava
lhe fazendo deixar tudo para trás. Não era justo, porém, ela não poderia mudar
a doce imposição de sua avó. Mischa suspirou fundo e se deitou na relva. Queria
dormir, queria esquecer, queria morrer. Ela sabia que estava de passaporte
marcado para o inferno. Enquanto isso Rachel acordava no apartamento. Sua cabeça
girava e seus olhos nunca estiveram tão pesados nos últimos tempos. Havia sido
uma noite e tanto. Logo, a menina se levantou e foi para o chuveiro, chamou por
Mischa, mas deduziu que a menina já havia saído, visto que se passava das
16:00. Após o banho, Rachel foi para a cozinha e viu que Mischa havia deixado
café, mas que esse já havia esfriado a tempo. A menina procurou por algum
bilhete e não encontrou Mischa não deveria demorar, afinal, ela sempre deixava
um bilhete quando iria demorar. A menina viu as correspondências no balcão e se
jogou no sofá para lê-las, não havia nada de importante. Rachel resolveu fazer
um sanduiche e assistir um filme de ação que estava passando na televisão.
Quando o relógio marcava 18:34, Rachel ficou preocupada, havia se passado muito
tempo e Mischa não voltará. Rachel olhou pela janela e não viu movimento
nenhum. Portanto, tratou de vestir seu casaco e descer as escadas em busca de
Mischa.
- Senhorita Rachel! Boa noite. Tenho uma encomenda para a
senhorita Mischa, pode fazer a gentileza de entregá-la? – perguntou a
coordenadora da secretária.
- Claro. – respondeu Rachel cordialmente, e em seguida
assinou a lista de entregas.
Após a coordenadora virar as costas e seguir seu caminho,
Rachel passou os olhos pelo envelope, havia uma caligrafia bonita e estava
escrito apenas o nome de Mischa. Rachel cogitou que seria algum presente de sua
família. Portanto, guardou o envelope no casaco, e continuou a sua procura por
Misch.
-Hey Diana, viu a Misch por ai? – perguntou Rachel se
aproximando da garota no refeitório.
- Não, Rachel. Eu não a vi hoje. –respondeu enquanto dava um
gole em seu café.
- Ah, obrigado. – Rachel deu um sorriso torto e continuou
seu caminho.
Após trinta minutos Rachel não havia encontrado a garota e
nem se quer alguém que tenha visto-a. A menina já estava preocupada, quando
avistou alguém a beira do lago. Era Mischa, só podia ser. Mischa ainda estava dormindo
quando Rachel chegou o que fez com que a menina sorrisse ao ver o quão linda a
garota dos cabelos cor de ouro dormia.
- Hey, pequena! Vamos para casa! – sussurrou Rachel enquanto
depositava um beijo nos lábios já gélidos da menina.
Mischa se espreguiçou e logo abriu os olhos. Sorriu ao
perceber que Rachel estava ali. Não disse nenhuma palavra, apenas puxou Rachel
para um abraço, que foi correspondido calorosamente. Após alguns minutos
trocando beijos e abraços, Rachel se levantou e puxou Mischa pela mão.
- Vamos para casa! – Rachel sorriu.
Ao ouvir essas palavras Mischa sentiu um ardo arrepio
percorrer o seu corpo. Como ela iria explicar tudo a Rachel? Como ela, Mischa,
iria sobreviver longe de todo o carinho e amor que Rachel lhe dava? Todas as palavras
que a menina havia dito na noite anterior eram verdadeiras, não era apenas o
álcool, Mischa tinha certeza disso e Rachel também.
Quando chegaram ao apartamento Rachel foi para a sofá e se
jogou. Mischa ficou parada próximo ao balcão, seus olhos estavam tristes.
- O que foi? – perguntou Rachel erguendo a sobrancelha.
- Tenho algo para te contar. – a menina suspirou fundo e
fitou o chão.
- Fala, o que houve? – Rachel se levantou prontamente e se
pôs ao lado da menina.
- Eu irei embora amanhã. – a voz lhe falhou.
- Porque? O que houve? – Rachel mordia os lábios e sua
respiração ficou ofegante. – Eu sei que te deve desculpas por muitas coisas,
mas por favor, não vá embora! Eu preciso de você, Misch. – a menina tinha os
olhos lagrimejados quando deslizou a mão pelo rosto da menina.
- Meu amor, não é por causa de você! Nem cogite pensar
nisso. – uma lágrima escorreu pelo rosto da menina. – Eu jamais iria me afastar
de você.
- Então o que houve? – perguntou Rachel secando as lágrimas
da garota.
- Eu recebi uma carta da minha avó e ela me obrigou a ir
para Itália, ficar com ela. – a voz da garota era falhada por soluços e
lágrimas.
- Mas você não pode ir se não quiser!- disse Rachel com os
olhos arregalados.
- As coisas não funcionam assim com a minha família. Eu
sempre tive que seguir as regras, ser a garota da corte. Se eu me revoltar, com
certeza a punição será maior. Não há como se esquivar. – a menina mordeu os
lábios.
- Não! Você não tem que seguir todas as regras. Tem que seguir
o seu coração, seus desejos e sonhos. – Rachel respirou fundo. – Quem ela pensa
que é? Nunca se importou com você e agora se vê no direito de te controlar? Com
todo respeito, mas você não deve obedece-la – Rachel andava de um lado para o
outro.
- Eu não sei o que fazer.
A minha vida toda foi assim. Acha que eu queria vir para cá? Eu deixei
amigos para trás, é sempre assim. Sempre tenho que abandonar as coisas que
gosto. – afirmou Misch com os olhos lagrimejados.
- E vai fazer o mesmo comigo? – Rachel fitou os olhos da
menina.
- Não, Rachel! Não! Você acha que estou triste por quê? É
claro que é por você, Rachel! – a menina estava aos prantos.
- Então não se vá. Fique comigo. – pediu Rachel segurando as
mãos da garota.
- Não posso. Se eu não for agora,minha avó virá aqui me
buscar de qualquer maneira. – Mischa acariciou o rosto da menina.
- Fuja comigo! É isso! – disse Rachel sorrindo eufórica.
- Fugir? Como Rachel? –perguntou a menina.
- Eu tenho dinheiro suficiente para a gente ir para algum
lugar e viver bem. Aliás, eu posso trabalhar como cozinheira ou em alguma
galeria de arte, tenho capacitação para isso. – Rachel olhava os olhos da
menina que voltará a brilhar.
- Oh, meu deus! Só você para fazer sorrir em meio a esse
turbilhão de coisas. –Mischa sorria.
- Podemos fugir agora mesmo! Basta juntarmos nossas coisas!
Fugiremos amanhã pela manhã! –Rachel nunca esteve tão eufórica.
Mischa e a garota começaram a juntar suas coisas e
coloca-las em mochilas e enquanto isso, trocavam beijos e abraços. A euforia havia
voltado a iluminar o rosto das garotas. Rachel já havia explicado tudo para
Mischa. Ela sairia as 4:00 da manhã arrumaria todas as coisas em seu carro, e
as 6:00 da manhã as duas sairiam pela estrada aos fundos do colégio. De lá, era
apenas marcar um ponto aleatório no continente europeu e esse se tornaria o
destino das meninas.
A noite chegou e após controlar o entusiasmo as duas garotas
adormeceram no sofá. Quando o despertador tocou, Rachel tratou de se levantar e
levar todas as coisas para o seu carro. Mischa se revirou, mas Rachel pediu
para que essa continuasse a dormir. Enquanto descia as escadas, Rachel tentou
ser o mais silenciosa possível. Quando chegou aos jardins do colégio, ligou sua
lanterna e foi em direção à garagem. Como já havia atingido a maior idade,
podia dirigir por toda a Europa. Ao chegar ao carro a menina arrumou todas as
malas no porta malas e saiu com o carro para abastecer no posto de gasolina que
ficava a trinta quilômetros dali.
Quando o relógico marcava 5:30 Mischa acordou com batidas na
porta. Estranhou, visto que Rachel não havia dito que voltaria ao apartamento.
Porém, Mischa se levantou e foi prontamente atender a porta.
- Surpresa! – disse uma voz muito familiar e nada doce. –
Era a avó de Mischa. Gasparinna conhecia o comportamento da neta e sabia que
essa não iria seguir as suas ordens, portanto, tratou de ela mesma resolver a
situação.
- Vovó? O que faz aqui? – perguntou Mischa com os olhos arregalados
e as mãos tremulas.
- Vim buscar você! Afinal, já faz duas semanas que estou te
esperando. Devia ter me avisado que iria se atrasar. – disse a avó
- Vovó, eu só recebi a sua carta ontem. Deve ter acontecido
algum imprevisto. – Mischa mordia os lábios e olhava a janela. Ela precisava
avisar Rachel sobre o que estava acontecendo. – Mas porque veio tão cedo? –
perguntou a menina tentando ganhar tempo.
- O meu voo atrasou, era para eu ter chegado ontem a noite,
mas devido a uma conexão na Escócia, e cheguei agora pela madrugada. – a mulher
com colar e brinco de perolas se sentou no sofá bagunçado. – Mas alguém mora aqui com você? –perguntou percorrendo
os olhos por todo o lugar.
- Eu divido o quarto com uma amiga. – respondeu Mischa
fitando a porta e com um sorriso torto nos lábios.
-E onde ela está? – perguntou Gasparinna.
- Não dormiu aqui essa noite. –mentiu Mischa.
-Está vendo minha filha? O tipo de lugar para onde os seus
mais te mandaram? Eu entendo que aqui é um dos melhores colégios da Europa, mas
olha o tipo de gente com quem você é obrigada a conviver. – a mulher tinha um
olhar de reprovação.
- Não fale assim dela. Você nem ao menos a conhece. – Mischa
não acreditava no que havia dito, estava enfrentando sua avó.
- O que é isso Mischa? Está defendendo essa garota? – a avó
revirou os olhos e a fitou.
- Estou apenas dizendo que ela é uma pessoa legal. – Mischa mordeu
os lábios e fitou o chão.
- Entendo, agora bote um casaco e vamos! Não precisa levar
nada, quando chegarmos em Roma compraremos tudo o que você precisa! Venha logo!
– disse a senhora enquanto se levantava e ia em direção à porta.
- Tá bom, vovó. – disse a menina mordendo os lábios e indo
em direção ao quarto.
Quando chegou ao quarto, Mischa estava desnorteada. Não
sabia o que fazer, não podia se esquivar, se optasse por se revoltar, não iria
mudar em nada, ela conhecia a avó. Com certeza, ela a levaria até amarrada se
fosse preciso. Rachel precisava saber o que acabará de acontecer. Portanto,
Mischa escreveu uma carta rapidamente e deixou a sobre o balcão enquanto saia
com lágrimas nos olhos.
A relva estava molhada e Mischa procurava por todos os
cantos ver Rachel. Mas não havia sinal da garota, deveria estar na estrada dos
fundos esperando por ela. Um ódio e uma dor tremenda percorriam o corpo de
Mischa, que caminhava ao lado da avó e seu segurança em direção ao carro.
Rachel olhava para o relógio e já havia se passado 45
minutos da hora marcada com Mischa. A menina começou a ficar preocupada, Mischa
não se atrasava, algo devia ter acontecido. A menina fechou o carro e foi em
direção ao apartamento, subiu as escadas rapidamente. Não havia ninguém pelos
corredores, estava muito cedo. Quando entrou no apartamento, percebeu que esse
se encontrava vazio.
- Aposto que nos desencontramos! –falou para si mesmo com um
sorriso no rosto.
Quando a menina estava saindo, percebeu que havia algo sob o
balcão. Era uma carta e em seu verso estava escrito “Com todo o amor, Sua Misch”. Rachel abriu a carta já com as mãos
tremulas.
Meu amor, minha
Rachel.
Não sei como te dizer
isso, ainda mais em um pedaço de papel. Mas tenho que ser breve. Minha avó
apareceu aqui, é isso mesmo. E me arrastou junto com ela. Estou desesperada,
não quero ficar longe de você. Perdoe-me por tudo isso, mas acima de tudo, não
desista de mim. Por favor, eu estarei te esperando. Estou deixando no verso da
carta o endereço para o qual estou indo, me procure, por favor!
Com muito amor e
saudades, sua Misch.